O “2º Grande Ato Contra o Aumento das Passagens”, realizado na quinta-feira 16/01 no Centro do Rio, somou cerca de quinhentos fiéis à indignação – entre outras – pelo novo preço das passagens de ônibus…
Por Raquel Boechat / Foto: Ruy Barros
O “2º Grande Ato Contra o Aumento das Passagens”, realizado na quinta-feira 16/01 no Centro do Rio, somou cerca de quinhentos fiéis à indignação – entre outras – pelo novo preço das passagens de ônibus. O que se previa como “Grande Ato” pode-se supor que foi grande mesmo: manteve na rua mais que a média de 10% do público confirmado na página do evento e, isso, mesmo sob a forte chuva que arrebatou o Rio naquele fim de tarde negro e manifestamente tempestuoso de verão.
E como choveu! Choveu píncaros no Rio de Janeiro! Mais de 80 mm: metade da chuva esperada para o mês de janeiro inteiro em bem menos de 24 horas. O suficiente para alagar ruas, fechar o aeroporto Santos Dumont, causar falta de luz em vários bairros, transformar a volta para casa num verdadeiro caos, fosse no trânsito, a pé nas ruas, de barca, trem ou metrô. O temporal colocou raios na mão do Cristo, três bacias hidrográficas do Rio – Jacarepaguá, Zona Sul e Baía de Guanabara – em estágio de alerta, transbordou rios da Zona Norte e provocou o acionamento de 26 sirenes de emergência em comunidades. O protesto que veio dos céus impediu que muitos manifestantes da terra conseguissem chegar ao Centro para o ato; atrapalhou o sinal de internet para os repórteres dos streamings; inaugurou o 2014 nas ruas quase como nas primeiras manifestações de 2013 – sem muito apelo popular e sem transmissão ao vivo – e confirmou, mais uma vez, o quão prognóstico foi e é o slogan de campanha do alcaide carioca, reeleito sob o reincidente e fabuloso “SOMOS UM RIO”. Buhhh!
O temporal não poupou lugar algum da cidade, nem mesmo a região da Praça da Bandeira, clássica no que diz respeito a alagamentos, mas contemplada com a obra do “Piscinão” inaugurado pela Prefeitura agorinha, em 30 dezembro de 2013, e cuja função é ser um reservatório para conter o volume das águas provenientes das chuvas de verão. Parece até que funcionou um tanto, mas não foi suficiente, ainda faltam outros cinco reservatórios, entre os prometidos para a região. Necessários, vamos ver se funcionais, porque o desafio é grande! O Rio de Janeiro, em sua região central – Maracanã, São Cristóvão e adjacências da Tijuca – para quem não sabe, era um imenso manguezal chamado Mangal de São Diogo, parte de uma bacia hidrográfica composta por dezenas de lagoas que vinham desde onde hoje temos a Cinelândia, Largo da Carioca, Lapa, entre outros importantes sítios urbanos do atual Centro do Rio de Janeiro, por onde hoje tanto se manifesta. Este complexo lagunar, alimentado originalmente pelas cheias das marés da Baía de Guanabara e pelas águas dos rios que eram caudalosos e navegáveis, bem como pelo imenso manguezal que alcançava quase Vila Isabel, hoje “correm” debaixo do asfalto e são destas coisas deliberadas pela gestão pública e pela força do capital pró-desenvolvimento pelas quais hoje, sob outra consciência ambiental, de qualidade de vida e de modelo de cidade, se protesta. Ao longo dos últimos séculos, governos, em parceria com empresários, decidiram projetos de urbanização que aterraram a natureza para se construir a cidade em cima e, desde então, de eleição em eleição, os políticos prometem solução para as enchentes e, desde então, ano a ano, a natureza se manifesta e, desde então ano a ano, a Praça da Bandeira enche e, desde então, a indústria das verbas emergenciais e das obras que mais parecem ‘de igreja’ sustentam as contas bancárias de alguns e, desde então, o caos nos transportes e no uso do solo urbano se perpetuam e, desde então, se empurra pobre do centro para a periferia para crescer e melhorar a cidade e, desde então… Será que vai ser sempre assim? Com relação a tudo e também às passagens, qualidade nos transportes, caos na mobilidade urbana (mesmo em dias de seca), remoções e tragédias de verão? Velhos problemas. Velhas soluções. Velhos protestos. Novas manifestações. E 2014 mal começou.
O aumento das passagens no Rio de Janeiro, ainda não confirmado, está previsto para cerca de R$ 3,05, segundo cálculos do jornal O DIA em dezembro do ano passado. O novo valor, se aplicado, fará do carioca o passageiro a pagar mais caro por uma passagem de ônibus municipal em todo o país. Para entender mais sobre o aumento das passagens no Rio de Janeiro, leia nosso artigo sobre o “1º Grande Ato Contra o Aumento das Passagens”, a última manifestação carioca de 2013: http://migre.me/htvv8 Lembre-se, a cada vírgula deste, ou de qualquer texto sobre o preço das passagens e a qualidade dos transportes e as medidas prometidas para a mobilidade urbana que estamos em ano de eleição. Faltam poucos meses para a Copa – ou para a Não-Copa – e para as eleições que elegerão aqueles que tomarão posse daqui a menos de um ano nas cadeiras da Assembleia Legislativa (ALERJ) e do Palácio Guanabara, e tudo a partir deste triste e desesperador cenário político que é o do Rio de Janeiro. Ô herança! E então? O que fazer? Fugir para as montanhas? Ou reforçar o EPI e as estratégias para manifestar e tentar mudar mais um tanto, ao longo de 2014? Eis a questão!
O “2º Grande Ato Contra o Aumento das Passagens” saiu do local planejado para sua concentração, a Igreja da Candelária, por volta das 18h, um pouco antes de começar a chuva. Depois, mesmo sob o temporal, os cerca de 500 caminharam até a Cinelândia e depois em direção à ALERJ, onde deram uma parada e, num gesto de confirmação de quem é dono do lugar, subiram e desceram as escadarias. Deste ponto, a manifestação dispersou. Alguns Black Blocs – sim, eles voltaram! – foram da ALERJ até a Av. Rio Branco, desceram a Av. Presidente Vargas e, um pouco antes de chegarem à altura do prédio da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), 16 jovens, sendo 4 menores, foram detidos. Até serem colocados num ônibus da Polícia Militar e levados para a 17ª DP, em São Cristóvão, os jovens foram postos sentados no chão, praticamente ‘na porta’ da DPCA. “Os menores não chegaram a ficar na DPCA porque esta delegacia não recebe flagrante após as 18h” – esclareceu a advogada Giselle Boechat, do Coletivo Habeas Corpus Rio de Janeiro (HCRJ), que atua voluntariamente nas ruas na defesa dos direitos dos manifestantes desde 2013. “Os 16 jovens foram detidos sob alegação nenhuma, nenhuma acusação, e conduzidos para averiguação num procedimento inconstitucional, porque não deve haver identificação criminal de quem está civilmente identificado” – complementou a advogada.
Segundo testemunhas, nenhuma ação direta acontecia, nenhuma vidraça estava sendo quebrada, tudo corria molhado demais e pacífico, afinal (também) chovia horrores e os jovens apenas corriam da chuva quando foram cercados por um grupo de cerca de 20 PMs. A ação da polícia, sim, é que parece ter sido típica e direta: truculência, porrada e cassetete. Aparentemente, a PM efetivou as detenções para acabar com o ato, e alguns policiais tentaram encobrir a cena, mas ela foi gravada e pode ser conferida no vídeo a seguir.
Observe que, aos 46 segundos do vídeo, um policial negro que chega pela esquerda da tela fica vendo os manifestantes detidos no chão, vira de costas para eles e, aos 55 segundos, dá uma porrada de cassetete. Aos 58 segundos é possível ver atrás dos policiais um cassetete levantando e abaixando e um dos policiais que está mais à frente dá uma certa afastada naquele que bateu. Apesar da violência policial, este não foi o principal assunto na delegacia. O advogado Antonio Carlos Marques Fernandes, voluntário do HCRJ, acompanhou o caso diretamente com mais dois colegas e às dez da noite avisou ao Coletivo Carranca que todos os detidos já haviam sido liberados.
O 2º Ato Contra o Aumento das Passagens foi organizado pelo Fórum das Lutas, com direito a plenária em 09/01/2014 no salão nobre do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ), que decidiu detalhes como percurso e foco nos temas do protesto. Plenária, sim, assim como se organizaram tantas das primeiras manifestações de 2013; pluralidade de reivindicações sim, porque a vida não se resume a andar de ônibus; e no IFCS, um dos importantes palcos da revolução de 2013 no Rio e da reivindicação pela democracia direta. Foi bem ali, no Largo de São Francisco, em frente à universidade, que milhares de mãozinhas se levantaram e deliberaram tantos atos e prioridades entre as insatisfações, numa cena inimaginável até maio do ano passado. O Rio de Janeiro histórico de 2013 também passou por ali.
Ainda há muito que aprender, e pelo que lutar. Faça chuva ou faça sol. O que se sente do primeiro ato do ano é que 2014 mal começou e começou diferente, porque 2013 é capital incorporado. Agora é reciclar joio, trigo, discursos, táticas, caminhos, e seguir no foco sem perder nossa pluralidade. Afinal, se bom temporal é feito de milhões de gotas, então ‘bora chover!